Espero a cidade acordar para que eu possa
ir dormir. Tenho acompanhado as madrugadas, na avidez de conhecer seus mistérios,
de entender tudo aquilo que – assim como eu – a transgride. É uma vã tentativa,
confesso, de entender a mim mesma e aos outros. Sonhar acordada, viver um
sonho, algo real.
Vejo o dia romper devagar. Vejo a noite esmorecer
no canto distante de um pássaro que desconheço, mas que tomo por companheiro.
Há um galo a cantar, rouco. Os estalos da casa, os rugidos do tempo, uma
infinidade de acontecimentos impalpáveis estendem-se para além de mim. Às vezes
entendem-se para dentro de mim, e ali permanecem, eternos.
Não
pense que ando fugindo do mundo, apenas carrego em meu peito um cisma incurável
contra ele. Prefiro a insônia. Prefiro as conversas noturnas em que ninguém me
ouve. Eu prefiro a paz do silêncio entrecortado e denso das madrugadas mornas,
gélidas, indiferentes.
Sinto-me melhor nesse tom subjetivo,
nessas cores fortes, nesse meio termo do dia. Sinto-me melhor assim, eu, a
insônia e aquela voz rouca falando continuamente ao telefone. Esse texto é só
um pretexto pra deixar registrado em algum lugar que se vivo das madrugadas é
porque alguém me ensinou a viver. Desaprendi a conviver com o caos das manhãs e
tardes em que dormes tão sossegado. Não sei mais viver sem ti. Aprecio as
minhas madrugadas e faço-as tuas, numa declaração de amor que transcende nosso
tempo e que deixa registrado para sempre o quanto te amo.
Posso ver o sol entrando no quarto através
da janela descortinada. No exato momento em que sua luz tinge de rosa as
primeiras e tímidas nuvens. No exato momento em que ele atravessa o quarto e
tinge de vermelho a minha pele nua, fecho os olhos. É hora de dormir. Vamos?
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