sexta-feira, 19 de setembro de 2014

Insônia

Espero a cidade acordar para que eu possa ir dormir. Tenho acompanhado as madrugadas, na avidez de conhecer seus mistérios, de entender tudo aquilo que – assim como eu – a transgride. É uma vã tentativa, confesso, de entender a mim mesma e aos outros. Sonhar acordada, viver um sonho, algo real.

Vejo o dia romper devagar. Vejo a noite esmorecer no canto distante de um pássaro que desconheço, mas que tomo por companheiro. Há um galo a cantar, rouco. Os estalos da casa, os rugidos do tempo, uma infinidade de acontecimentos impalpáveis estendem-se para além de mim. Às vezes entendem-se para dentro de mim, e ali permanecem, eternos. 

          Não pense que ando fugindo do mundo, apenas carrego em meu peito um cisma incurável contra ele. Prefiro a insônia. Prefiro as conversas noturnas em que ninguém me ouve. Eu prefiro a paz do silêncio entrecortado e denso das madrugadas mornas, gélidas, indiferentes. 

Sinto-me melhor nesse tom subjetivo, nessas cores fortes, nesse meio termo do dia. Sinto-me melhor assim, eu, a insônia e aquela voz rouca falando continuamente ao telefone. Esse texto é só um pretexto pra deixar registrado em algum lugar que se vivo das madrugadas é porque alguém me ensinou a viver. Desaprendi a conviver com o caos das manhãs e tardes em que dormes tão sossegado. Não sei mais viver sem ti. Aprecio as minhas madrugadas e faço-as tuas, numa declaração de amor que transcende nosso tempo e que deixa registrado para sempre o quanto te amo.

Posso ver o sol entrando no quarto através da janela descortinada. No exato momento em que sua luz tinge de rosa as primeiras e tímidas nuvens. No exato momento em que ele atravessa o quarto e tinge de vermelho a minha pele nua, fecho os olhos. É hora de dormir. Vamos?



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